Rogério Cavalcanti
Para alcançarmos a “vida feliz”, Sêneca, a princípio, admite a necessidade de determinarmos, com clareza, “aquilo que estamos querendo”, isto é, nossa vontade. Será que o que pensamos que queremos é exatamente aquilo que a nossa vontade quer? Então, o primeiro passo é meditar e discernir sobre este fato. Torna-se premente ter clareza ou consciência das coisas que são realmente significativas para cada um de nós para podermos definir, então, o que queremos. Depois disso, cabe analisar as circunstâncias ou as possibilidades de alcançar nossos objetivos da forma mais rápida. Para tanto, devemos fazer o esforço intelectual de compreender as situações sociais, econômicas e psicológicas nas quais estamos envolvidos, observar os fatos ao redor e buscar o melhor caminho para realizarmos nossos intentos, sempre tentando evitar riscos desnecessários, por mais conhecido e frequentado que seja o caminho.

Sêneca aponta como algo muito pernicioso para a “vida feliz” o fato de querermos aderir à opinião pública, talvez por causa do medo de sermos censurados, criticados ou mesmo cancelados.
Nem sempre a opinião pública, por se tratar de um consenso entre membros de uma coletividade, significa, necessariamente, uma opinião verdadeira ou acertada: “Ninguém erra por si”, diz o filósofo, “mas é causa do erro alheio”. A opinião pública, em muitos casos, relaciona-se com o senso-comum, que é um tipo de conhecimento fundado na experiência imediata das pessoas, nas emoções que envolvem um determinado fenômeno, sendo que as emoções constituem uma grande armadilha para os homens, devendo ser evitadas ou controladas. Em muitos casos, o senso-comum é repleto de preconceitos e construções imaginárias estereotipadas, baseando-se no que é geral, sem se atentar para aquilo que é particular e que está, de alguma forma, desvinculado do coletivo. Portanto, a opinião pública, nesta perspectiva, estaria vinculada a crenças e valores específicos de determinados grupos sociais que tentam criar hegemonia sobre a conduta da maioria das pessoas num determinado país ou região, ou até mesmo, nas instituições. Esses grupos sociais, quando organizados politicamente na sociedade, objetivam impor à grande massa da população seus ideais do que é certo ou errado, feio ou belo, bem ou mal, em suma, as condutas que são ou seriam permitidas aos indivíduos ou não, segundo suas próprias regras e opiniões. Por isso, nos alerta Sêneca: “A única saída é afastar-se da multidão e, assim, pôr-se a salvo”, pois, a multidão é o “argumento negativo”.
Sêneca, o estoico, busca estabelecer um ponto de equilíbrio na relação entre a virtude e o prazer (entre o estoicismo e o epicurismo), inclusive como estratégia de defesa perante o ataque de adversários que argumentavam que o filósofo, membro da elite, não vivia de acordo com seus ensinamentos de renúncia e retidão. Com efeito, Sêneca não entendia como essencialmente problemáticos o prazer e a riqueza, desde que sejam um aliado e não o guia da vontade “digna e reta”. Se experimentado da forma correta, o prazer pode ser útil à mente, mas, somente na medida em que não nos tornemos escravos dele. O homem que se deixa levar pelos desejos mundanos, que se submete ao “poder das coisas exteriores” ou às “ocasionais alegrias do corpo”, perde a sua liberdade porque permitiu que sua virtude fosse corrompida: “O prazer não é o preço nem a causa da virtude e, sim, um acessório dela”, nos alerta o filósofo. Já o homem que possui domínio sobre sua própria vontade – um homem virtuoso – experimenta, mas não se submete ao prazer e à riqueza, uma vez que sabe explorar com sabedoria os benefícios que essas coisas podem lhe proporcionar.
Este tipo de homem tem plena consciência de que as alegrias do prazer e da riqueza são passageiras e superficiais. Não são fixas nem profundas como as alegrias da virtude.

O homem virtuoso – caso seja de seu interesse – saberá usufruir dos prazeres do corpo, da bebida, da gastronomia, da arte, dos jogos, mas, no entanto, não dedica sua vida a eles, não vive em função deles e não deseja isso para si como sendo o sentido máximo da sua existência. Isso porque o homem virtuoso controla sua vontade, busca eliminar desejos e necessidades internas que são produzidas pela inquietude da mente e, assim, não precisa gastar tempo nem energia com assuntos ou comportamentos frívolos, podendo viver de acordo com a sua própria natureza. “Pobre não é o homem que tem pouco, mas o homem que anseia por mais”. Com estas palavras, Sêneca busca encontrar um limite para a riqueza, qual seja, o homem rico seria aquele que tem, primeiro, o que lhe é necessário e, segundo, o que lhe é suficiente, independentemente da sua condição. Basta saber usar o que tem com sabedoria e bom grado, pois, finalizando com as palavras desse grande Mestre: “feliz é aquele que, satisfeito com sua condição, seja ela qual for, desfruta da mesma”.
