“A verdade das coisas é a retidão”

Comentário sobre a verdade em Anselmo de Aosta (1033 – 1109)

Rogério Cavalcanti

A busca da verdade pode ocorrer seguindo-se dois caminhos: o da fé e o da razão. Esses caminhos podem ser antagônicos ou complementares. O caminho da fé informa que a verdade possui algo de íntegro que só pode ser percebido quando nos aproximamos dos conhecimentos divinos, isto é, quando somos capazes de desenvolver uma vontade forte, decidida, coerente com aquilo que deseja. A vontade precisa ser livre, sem pressões externas, para que possa se manifestar plenamente.

Nesse sentido, Anselmo nos fala de uma vontade correta, justa, que só pode ser alcançada quando eliminamos nossas necessidades interiores. Um homem que não tem ou domina suas necessidades internas é um homem verdadeiramente livre, pois sua vontade não está condicionada por nenhuma causa a não ser ela mesma. A vontade torna-se incondicionada e o espírito livre. Dessa maneira, a fé, como manifestação da vontade, deve colocar-se como guia da razão humana.

O uso da razão se faz necessário uma vez que a busca da verdade, mesmo que fundada na vontade correta, também exige comprovações e testes racionais. No entanto, essa verdade que surge da investigação racional da realidade, do questionamento das coisas a partir de um método, se não estiver ancorada numa vontade reta, não poderá produzir um raciocínio reto. É por isso que a verdade das coisas é a retidão. A retidão do caráter, a retidão do espírito, a retidão da vontade que controla e elimina os desejos e as necessidades internas. Eis porque, segundo o filósofo e monge beneditino, a razão deve estar ancorada na fé. A fé torna-se o alicerce da vontade reta, do raciocínio correto, da intuição. A intuição representa, neste caso, o meio correto de atingir a verdade, pois esta é o resultado de uma mente equilibrada que não se deixa impressionar apenas pelos aspectos externos e materiais dos fenômenos. A intuição – e não o desejo, não a necessidade – é o que nos possibilita “fazer a verdade”.

A razão é o instrumento e a fé deve estar no comando das ações e dos pensamentos. Portanto, nesta perspectiva, a busca pela verdade, em Anselmo de Cantuária, passaria necessariamente pelo exercício da virtude, seja por meio da eliminação dos desejos ou pelo controle das necessidades para que possamos, então, desenvolver a vontade correta, livre de medos e anseios, que nos conduzirá ao raciocínio correto e, consequentemente, à verdade.

Anselmo de Aosta (Cantuária): a verdade em Deus.